terça-feira, 22 de maio de 2012

Cartão postal de Bruzundanga e de uma cidade de 500 000 habitantes no sul do País

Compartilho neste Blog o texto do prof Clodomiro do que realmente seria um cartão postal deste pais e desta cidade. 
Fiquem a vontade para visitar este país tropical!

'Bruzundanga, 20 de maio de 2012'

Prezado Lima Barreto, há tempo eu queria enviar notícias daqui de Bruzundanga, esse admirável país que o senhor ajudou a eternizar na literatura brasileira. Poucas mudanças ocorreram por essas bandas. Aqui ainda existe muita corrupção, componente quase que impregnado em nossa cultura. Nossos jornais já pouco publicam os cadernos de política. Temas políticos foramtransformados em manchetes policiais. Na grande maioria, as questões políticas são objetos de investigação policial e não de analistas políticos.

A língua há muito deixou de contemplar alguns termos. Ética e moral, por exemplo, inexiste nos dicionários daqui. Dizem que esses conceitos são abstrações filosóficas irrelevantes para a vida social. Quando muito são conceitos estudados na Academia, mas de nenhuma relevância para a sociedade.

A geografia, porém, é belíssima. Há no planalto central uma enorme cachoeira que é ponto de visitação, inclusive, de políticos. Dias desses uma lancha com um senador e vários políticos despencou nessa cachoeira. Uma verdadeira tragédia. A lancha era do Ministério da Pesca, e dizem os mais entendidos, que a mesma estava sem manutenção há mais de um ano. Os eminentes políticos não morreram, mas estão em coma irreversível. O coitado do senador foi encontrado no meio da lama. Aliás, essa cachoeira deságua na região central do país, onde fica o poder da República. Vez ou outra, em tempos de vazante cheia, a capital fica completamente alagada. Quando baixam as águas é visível muito lodo. Nas últimas cheias, a lama alcançou os Três Poderes da República. Isso atrapalha muito o funcionamento administrativo do país. O povo ajuda na limpeza, mas leva em média quatro anos para poder tirar todo o lixo que fica incrustado. Quando os meios de comunicação entram em cena, a limpeza parece caminhar mais rápida.

Mais ao sul do país há uma cidade de médio porte muito pujante pelo empreendedorismo do seu povo. Mas, infelizmente, convive há tempo com maus políticos que volta e meia dão expediente na cadeia. De prefeito a vereadores, comenta-se que em época de eleição resta votar naqueles que estão soltos. Por essas e outras é que Bruzundanga continua com instituições fragilizadas e uma democracia anêmica.

A culinária é outro ponto alto. Dizem que os italianos apreciam pizza, mas nunca vi produzir tanta pizza como aqui. E o povo consome em demasia. O Congresso Nacional está, inclusive, oferecendo um curso de pizzaiolo. É muito interessante, porque ao final do curso, que é intensivo e tem duração de mais ou menos 180 dias, são distribuídas pizzas para todo o povo. O Judiciário flerta com a possibilidade de ofertar curso semelhante. Aliás, o Judiciário daqui vem perdendo a confiança da população, pois sempre vazam casos de tribunais com sérios desvios de condutas.

A nossa prática religiosa é outro diferencial importante. O povo é muito devoto e privilegia líderes espirituais que fazem milagres. Há, inclusive, empresas religiosas especializadas nesse segmento. Resolvem tudo, de mal olhado a urucubaca. Aqui o povo ainda convive com muita urucubaca e sua irmã siamesa: a maracutaia. O business religioso cobra caro pelos serviços oferecidos e, por isso, tem sido um nicho de mercado que prospera e lucra bastante. Contribui, além disso, o fato de os templos-empresas não pagarem tributos ao governo e o que se vê são muitos empresários da fé comprando fazendas, redes de rádio e de televisão. É muito bacana vê-los na mídia, são bem instruídos e o povo aprende muito com eles.

Na verdade, senhor Lima Barreto, estou com a intenção de conhecer o Brasil. Ambiciono logo mais, havendo oportunidade, viajar para o seu país. Só espero que o Brasil não seja mais uma de suas criações, mera ficção de sua encantadora literatura. Cordiais saudações.

CLODOMIRO JOSÉ BANNWART JÚNIOR é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.
Artigo publicado na Folha de Londrina, domingo, 20 de maio de 2012.

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