Interrompendo um pouco o assunto eleitoral, adiante está um texto delicioso da revista Piauí deste mês:
A paixão de um homem pelo time Perelima, que quase destruiu sua família e sua herança.
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Dono de fábrica enterra a herança num
time de futebol
por Paula
Scarpin
Faltavam dois minutos para o fim do tempo
regulamentar. Desde o começo do segundo tempo, a Associação Desportiva Perilima
derrotava o Planalto de Alto Branco por 2 a 1, placar que levaria o mata-mata à
disputa por pênaltis. Num lance arrojado, um atacante do Planalto mandou uma
bomba em direção ao gol. No meio do caminho, o zagueiro Renan interceptou a
bola, mas só a ponto de desviá-la em direção ao outro ângulo, confundindo o
goleiro, que não conseguiu evitar o gol. Naquela tarde de setembro, o Perilima
acabou eliminado. Era apenas o segundo jogo de um torneio de peladas promovido
pela TV Itararé em Campina Grande, na Paraíba.
“Não sei o que aconteceu, mas em certo momento tudo
começou a dar errado na minha vida”, desabafou o fundador da equipe, sentado
numa cadeira de balanço no quintal de casa, na terça-feira seguinte. O time
chegou a frequentar a primeira divisão do Campeonato Paraibano e a medir forças
com as potências do estado, Botafogo, Treze e Campinense. Afundado em dívidas,
não disputa um jogo oficial há três anos e não tem motivo para comemorar as
duas décadas de existência.
Até 2007, o que sustentava o time era a fábrica de
sordas – iguaria paraibana parecida com pão de mel, só que feita com o melaço
da cana – que seu Pedro herdou do pai em 1976 e batizou com seu próprio nome.
“Peguei Pedro Ribeiro de Lima, juntei tudo, deu Perilima”, explicou. “Tem um
ritmo bom.” A fabriqueta até hoje fica no mesmo terreno de sua casa no bairro
Liberdade, Zona Sul de Campina Grande.
Adepto das peladas dominicais, seu Pedro
entusiasmou-se quando soube que o Sesi promovia campeonatos de futebol de salão
entre as indústrias da região, e inscreveu seus funcionários. O Perilima
não fazia feio, e o dono começou a desenhar planos mais ambiciosos: registrou o
time como amador na CBF, de olho na profissionalização.
O patrão determinou que o expe-diente na Perilima
seria de seis horas na fábrica e mais duas de treino à noite. “Quando aparecia
alguém bom de bola desempregado, eu colocava na fábrica. Se algum jogador bom
desse trabalho na fábrica, eu evitava demitir”, contou, sob o olhar reprovador
da mulher. “Ele judiava. Os rapazes trabalhavam em pé o dia todo e depois
tinham que fazer bonito na bola”, interrompeu dona Santana Lima. Seu Pedro deu
de ombros: “Eles gostavam. E se desgastavam menos do que se estivessem tomando
cana por aí.”
O Perilima se profissionalizou em 1997 e, como a
segunda divisão paraibana não tinha mais do que dois ou três times, frequentava
o grupo de elite. A equipe virou folclore em Campina Grande. Sendo funcionários
da fábrica de sordas, os jogadores logo foram apelidados de “sordados”. Na
preleção após uma goleada de 5 a 0 para o Nacional de Patos, Pedro Ribeiro Lima
se revoltou com o elenco. “Se é para jogar desse jeito, eu vou entrar no time.”
A ameaça se concretizou em 1999, depois que o
Perilima quase perdeu por WO uma partida da primeira divisão – como havia uma
pelada no bairro marcada para o mesmo horário, vários atletas faltaram ao jogo
oficial. A partir da rodada seguinte, o patrão nunca mais deixou de se escalar.
A idade não o atrapalhava tanto quanto o sobrepeso – tinha 80 quilos
distribuídos por 1,62 metro.
Apesar do comprometimento, o primeiro gol de seu Pedro só saiu oito anos
depois, num pênalti batido contra o Campinense. Tinha então 58 anos e era o
jogador mais velho a pontuar em uma partida oficial no Brasil. “Até o Esporte
Espetacular veio fazer reportagem aqui”, festejou. Dona Santana,
contrariada, tinha outra versão para a história. “A verdade é que ele virou a
piada da cidade. Um velho querendo jogar bola.”
Conforme a empolgação com o time
crescia, a fábrica ia ficando para escanteio. Se a torcida dentro de casa já
não era das mais entusiasmadas, o jogo virou de vez quando seu Pedro passou a
investir cada vez mais dinheiro no time. Interessado em prospectar novos
jogadores, um time de Curitiba pediu quatro atletas do Perilima – e enviou um
dinheiro para possíveis gastos. “Em vez de guardar, botei mais dinheiro para
eles irem de avião. Queria impressionar, valorizar o time”, contou, escondendo
o rosto com as mãos.
Vendo a única fonte de renda familiar em risco, os
filhos depuseram seu Pedro e tomaram-lhe a administração da fábrica. “A
primeira providência da minha filha foi demitir os jogadores. Ainda tem uns
dois ou três que podiam jogar, mas eles têm medo dela”, contou. Quando a filha,
grávida de quase nove meses, entrou pelo portão, deu um beijo na testa da mãe e
lançou um olhar de desprezo para o pai. “Não sei como ainda tenho sonho na
vida”, lamentou-se.
O último jogo oficial do Perilima como profissional aconteceu em 27 de
junho de 2009, pela segunda divisão paraibana. Naquela partida, conseguiu
marcar seu único tento da temporada – mas o Atlético Cajazeirense não perdoou e
balançou nove vezes a rede do estádio Amigão. Em todo o certame,
o time tomou 43 gols em seis jogos. “Os jogadores já não eram mais
funcionários da fábrica, não tinham a mesma garra”, justificou seu Pedro,
desgostoso. “Não teve despedida, nunca passou pela minha cabeça que a gente
fosse parar.”
Em 2009, a comunidade do Orkut “Futebol
Alternativo” lançou um apelo para salvar o time da extinção. Laércio Ismar, um
radialista e designer de João Pessoa, criou um blog e arrecadou 1 500
reais em uma semana. Este ano, o designer tentou organizar uma vaquinha pela
internet, mas só conseguiu levantar 50 reais até aqui.
Pensando em atrair publicidade para o time, Ismar
teve a ideia de promover um amistoso entre o Perilima e o Íbis, conhecido pela
alcunha de “pior time do mundo”. A equipe pernambucana topou a empreitada, mas
seu Pedro pulou fora. “Ele tinha medo de levar uma goleada”, explicou Ismar.
Pedro Ribeiro Lima comentou o desafio: “Eu queria disputar qual é o melhor time
do mundo, não o pior. Mas estou mudando de ideia. Do jeito que estou, qualquer
coisa vale.”
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